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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

"Adeus", por Eugénio de Andrade

Sempre quis escrever sobre o sentimento de desprendimento e indiferença que (infelizmente) se cola a nós no fim de um relacionamento ... como olhamos de forma tão diferente para a nossa paixão, depois de o amor acabar ... faltavam-se-me as palavras, Eugénio de Andrade encontrou-as por mim ... 


 Adeus

«Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.»


(Eugénio de Andrade)

4 comentários:

  1. Querida Isa, esse "nós" devia ser substituído por alguns... e para recordar-te tive que regressar ao segundo texto que escreveste, desde que iniciaste o blog:

    "Desde muito novo que tive o privilégio de sentir o Amor e, até hoje, não arrefeceu, não desapareceu, muito menos alterou-se com o meio. O Amor que sinto acompanha-me como um vírus cravado no coração. Jamais irá desaparecer enquanto eu viver porque nunca permitirei que a racionalidade e as coisas da vida deturpem a genuinidade do verdadeiro "Amor".
    Em jeito de conclusão tenho uma confidência para ti. Amei algumas pessoas nesta vida e o amor por elas nunca desapareceu..."

    A propósito disto acrescento que ser assim é ser irracional e leva-nos a arrependimentos e sofrimentos,mas é BOM.

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  2. Ainda bem que sentes isso, Bruno, porque eu não consegui preservar a amizade que tinha com todas as paixões que têm passado pela minha vida. Para mim, o afastamento faz parte do processo de cura, e depois o tempo encarrega-se de aumentar a distância ... e ficamos como dois estranhos. Mas cada um gere uma ruptura da maneira que sabe ... beijo grande!

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  3. Eugénio de Andrade continua vivo e bem vivo!

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  4. Acho que já vai sendo altura de nos presenteares com um novo texto, não? Beijocas

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